Como Construir um Currículo em Movimento?

Falar que o mundo está em constante movimento já virou senso comum. Mas já paramos para pensar sobre a aceleração desse movimento? Estamos no olho do furacão e por isso, muitas vezes, não percebemos a intensidade das mudanças e o impacto que exercem em nosso cotidiano. Estamos falando de um mundo totalmente novo do ponto de vista dos desafios sociais e políticos, mas também nos esperam uma nova organização produtiva, novas práticas comunicativas, sem contar a presença de objetos tecnológicos que sequer poderíamos imaginar e que certamente representarão mudanças em nossa forma de viver. Tenho pesquisado sobre o impacto da presença tecnológica para a sociedade sob diferentes aspectos e o que mais me instiga é a pergunta sobre como educar jovens hoje para o mundo que resultará desse processo tão intenso de transformação.

O descompasso entre a velocidade das mudanças e a nossa capacidade de assimilá-las está cada vez maior, isso é um fato. Por esse motivo, vemos um esforço de renovação em diferentes escolas para oferecer um currículo que seja capaz de dar conta das exigências que esse novo mundo nos coloca. Um currículo que nos ajude a preparar hoje homens e mulheres para um futuro próximo, mas desconhecido.

A expressão “currículo em movimento” faz referência precisamente à necessidade das escolas assumirem uma dinâmica viva de reflexão sobre a sua prática que, assumindo as premissas e as perguntas colocadas pelo contexto atual, possa conferir um “espírito” ao currículo. Como fazer isso? Como manter o currículo vivo, em movimento, respondendo a todas essas mudanças aceleradas? No caso do Colégio São Luís, temos trilhado um caminho de aprendizagem e volta à tradição para responder a essa questão. Desde 2017, tomamos o Projeto Educativo da Rede Jesuíta de Educação (PEC – RJE) como rota para o movimento de inovação que temos feito. Também consideramos estudos e experiências no Brasil e no exterior, em escolas jesuítas e não jesuítas, como fonte de informação para o trabalho. Constituímos alguns grupos de trabalho que estabeleceram uma rotina de investigação e debate durante os últimos dois anos. Tais grupos contemplavam todas as dimensões da escola: curricular, organizacional, cultural e infraestrutura. Dos grupos que discutiram a questão curricular, resultou a matriz que implementaremos a partir de 2020. Colaterais a esses grupos, outros discutiram os caminhos da inovação metodológica, a formação dos professores e a organização da grade curricular (distribuição dos componentes curriculares no tempo). O roteiro dessa transformação pode ser agrupado em três aspectos:

Currículo que relaciona conteúdos, habilidades e competências
Historicamente, a organização do trabalho realizado com os estudantes estava baseada nos conteúdos de cada componente curricular. Evidentemente, ao trabalhar os conteúdos, também eram desenvolvidas habilidades e competências. Não obstante, não tínhamos uma definição institucional clara sobre as competências gerais que pretendíamos desenvolver e, consequentemente, as derivações de tal definição no ensino dos diferentes conteúdos.

Na nova matriz curricular retomamos os conteúdos de cada campo disciplinar e reorganizamos verticalmente tais conteúdos (do Infantil ao Ensino Médio), considerando a epistemologia de cada área do conhecimento: como ensinar de forma que quem aprende o faça melhor e com mais profundidade? Feito isso, definimos as competências gerais que uma escola da Companhia de Jesus deve desenvolver ao longo da vida escolar de seus alunos. E, finalmente, indicamos as habilidades específicas que devem ser desenvolvidas ao trabalhar cada um dos conteúdos. Com esse “mapa”, temos uma definição institucional do que chamamos matriz curricular.

A implementação dessa matriz garante o rigor acadêmico necessário a qualquer escola que pretenda realizar um trabalho de excelência, mas assume como premissa que os conteúdos devem ser meios e não fins em si mesmos. Seja lá qual for o mundo que aguarda nossos estudantes, eles só estarão preparados para viver de maneira equilibrada e atuar de maneira efetiva se, ainda na educação básica, desenvolverem competências lógico-analíticas, político-sociais, comunicativas, multiculturais, colaborativas, intrapessoais e de cultura digital. Todas as evidências que temos apontam para a necessidade de incluir, intencionalmente, essas competências na educação escolar das crianças e dos jovens.

Formação de professores

Durante dois anos escutamos a comunidade educativa por meio de formulários de pesquisa e grupos focais. Famílias, educadores e estudantes apontavam para a necessidade de aulas mais dinâmicas, que fossem realizadas fora do espaço de sala de aula, que considerassem as experiências dos alunos e oferecessem um aprendizado significativo.

Em função disso, o investimento mais importante tem sido na formação de professores e professoras com ênfase na capacitação metodológica. Ampliamos o tempo de formação que chegará a 5 horas semanais em 2020; estabelecemos uma cultura de observação de aulas entre pares com critérios para que professores se desenvolvam observando e sendo observados em suas práticas. Parte importante da formação docente foi baseada no conhecimento de metodologias ativas, entre elas, a Aprendizagem Baseada em Projetos. Além disso, apostamos na constituição de grupos de estudo como rotina, formados pelos próprios docentes, com tempo de duração e produtos finais estabelecidos, reconhecendo que a escola é um lugar privilegiado de produção de conhecimento e o professor pode e deve aprender a partir das perguntas que surgem de sua prática em sala de aula.

Grade curricular em movimento

Finalmente, estruturamos uma grade curricular que reconhece o movimento como sua parte constitutiva.

O processo de constituição das 16 disciplinas eletivas que ofereceremos no Ensino Médio a partir de 2020 é mais uma estratégia para garantir um currículo com flexibilidade.  Elas serão definidas a cada ano, partindo de uma consulta aos temas de interesse dos estudantes e de temas que surjam no contexto acadêmico e social que demandam a atenção da escola. O curso será elaborado a partir da constituição de grupos de estudo formados por docentes. A cada ano teremos grupos de professores investigando os principais temas do momento e encontrando as melhores estratégias para ensinar conteúdos curriculares de forma interdisciplinar. O processo de escolha das eletivas também implicará uma oportunidade de trabalhar a autonomia e a responsabilidade dos estudantes, pois o método de constituição das turmas exigirá dos alunos e alunas planejamento e uso de estratégias para escolher as disciplinas que irão cursar.

Adotamos também a obrigatoriedade do cumprimento das atividades complementares, algo que já é praticado no ensino superior e acreditamos ser importante introduzir no Ensino Médio. Além do cumprimento dos componentes curriculares, os estudantes do Ensino Médio terão de realizar uma série de atividades escolhidas por eles mesmos a partir da oferta feita pela escola. Tais atividades cumprirão o objetivo de diversificar a formação e fortalecer o desenvolvimento de diferentes competências. Alguns exemplos desse tipo de atividade: cursos extras, teatro, participação no Conselho de Representantes, voluntariado, tutoria etc. ou eles poderão propor uma atividade no formato dos “grupos de responsabilidade e atuação”, que são grupos organizados pelos próprios estudantes a partir de uma necessidade identificada no Colégio. Um problema é detectado, forma-se um grupo que irá se responsabilizar por encontrar soluções para esse problema e colocá-las em prática.

Um aspecto fundamental de um currículo com essa característica é o estabelecimento de uma cultura de pesquisa, seja na aprendizagem com projetos, seja na produção de um Trabalho de Conclusão de Curso. Outra estratégia que adotamos para o desenvolvimento de competências é o componente “Resolução de Problemas”, momento em que os estudantes aprendem a identificar e qualificar um problema, para depois adequar às melhores soluções.

Todas essas iniciativas se conectam com a pedagogia de inspiração inaciana, presente na Rede Jesuíta de Educação, da qual o Colégio São Luís faz parte. Os passos dessa pedagogia pressupõem a consideração do contexto em que os estudantes se inserem, passam pela experiência e reflexão, envolvem uma ação e, por fim, a avaliação. A base dessa pedagogia em muito se assemelha ao que hoje chamamos de metodologias ativas, que reconhecem os estudantes como corresponsáveis pelo seu processo de aprendizagem e desenvolvimento. A tradição jesuíta em educação nos ensina a importância de ter um currículo que dialogue com seu tempo. Dessa mesma tradição aprendemos que uma educação de excelência se sustenta em dois pilares: o olhar posto no contexto e no futuro e a perspectiva que nos oferece a história, aquilo que nos trouxe até aqui. O movimento de inovação feito no Colégio São Luís se sustenta nessa tradição inovadora que carrega, na sua essência, a sua tradição. Queremos jovens preparados para assumir sua vida adulta de maneira responsável e comprometidos com a construção de um mundo mais humano.

Por Rafael de Paula Aguiar AraújoDiretor do Ensino Médio do Colégio São Luís, pesquisador e professor da PUC-SP*