Diretor geral do Diocesano dá entrevista à Revista Cidade Verde

O diretor geral dos colégios Diocesano e Diocesano Infantil, padre Vicente Zorzo, SJ, deu entrevista à Revista Cidade Verde. O conteúdo foi veiculado na edição nº 194, do dia 22 de julho de 2018. Também está disponível abaixo.

O Padre Vicente Palotti Zorzo é um gaúcho descendente de italianos e alemães, dedicado à educação jesuíta no Brasil. Desde janeiro deste ano, ele assumiu a direção do Colégio Diocesano em Teresina, com a preocupação de proporcionar uma educação mais inclusiva e voltada para o pensamento crítico do aluno. O Padre propõe mudanças para que a educação da escola se adapte à evolução da sociedade sem que, contudo, tenha de abrir mãos dos valores tradicionais que a consagraram ao longo de mais de cem anos de história.

Para o educador, a escola precisa contribuir para que os alunos façam a diferença no Piauí. Ele gosta de citar a frase do também padre, Adolfo Nicolás, que diz:

Não formamos os melhores alunos do mundo, mas formamos as melhores pessoas para o mundo”.

Pe. Vicente foi professor de língua portuguesa em Moçambique, na África, antes de se tornar sacerdote. Já ordenado no Brasil, cursou mestrado em educação pela Universidade da Paraíba e, desde então, vem se dedicando à educação, com o propósito de preparar os jovens para um mundo mais ético e solidário. Na entrevista a seguir, ele critica o modelo mercadológico de educação que está invadindo o país e propõe uma nova forma de interagir com as crianças e adolescentes.

RCV – Que tipo de aluno nós devemos preparar para o futuro?

VZ – É uma pergunta bem complexa. Na realidade, eu diria: ‘que sociedade nós queremos para o futuro? ‘ Eu creio que hoje nós temos uma preocupação muito grande com essa questão da educação, que é um problema que perpassa toda a humanidade, desde os gregos, que questionavam o que é um cidadão virtuoso. Hoje, uma instituição educacional deveria dizer que deseja homens e mulheres virtuosos, preocupados com o bem comum, pessoas que saibam cuidar de si, dos outros.

RCV – A sociedade moderna exige pessoas capazes de resolver problemas complexos, mas, ao mesmo tempo, forma filhos dependentes e mimados. Como superar essa contradição?

VZ- A crise da modernidade impactou muito o mundo inteiro e, hoje, a pós-modernidade, como diz Zygmunt Bauman ( filósofo polonês), formou uma geração mais líquida e essa liquidez vai mudando a mentalidade. Eu creio que o grande problema da sociedade pós-moderna é que gera a insatisfação nas pessoas. Nós vivemos em um cenário sócio-político no qual as pessoas estão muito insatisfeitas. E as pessoas não conseguem ler o real e ver o que é um avanço, uma conquista. Elas só conseguem ver o que não têm ou o que perderam ou não conseguem se alegrar com o que ganham. Isso fica bastante complexo no cenário da educação dessas novas gerações. Como possibilitar que essas pessoas tenham lucidez, discernimento, ponderação? As crianças e adolescentes têm de aprender a fazer suas escolhas em um mundo tão diverso e fragmentado. Hoje, as instituições estão fragmentadas, há uma crise nos estados. Vivemos a imaterialidade do comércio. A Uber é uma empresa imaterial, um aplicativo. A música que você compra já não tem materialidade. A sociedade tem de se descobrir: quem é, onde está e que mundo quer.

RCV – Dentro desse cenário, quando vamos sair do modelo de escolas que ensinam a memorizar para escolas que ensinam a pensar?

VZ – Hoje você tem vários métodos. O que a gente percebe atualmente no país com a nova BNCC ( Base Nacional Comum Curricular) é focar mais no aprendizado e no aluno. De maneira geral, nós vemos uma preocupação pedagógica de fortalecer o aprendizado e a formação integral. Então, se nós formos ver os últimos anos, em todo o país, se dá um suporte para fortalecer a formação integral, que seja intelectual, física, psíquica, ética e estética. Agora, as concretizações são mais complexas.

RCV – Em um mundo competitivo, no qual se busca a todo custo a conquista dos primeiros lugares, como conciliar essa pressão com o ensino de respeito aos valores éticos?

VZ – Eu acho que o mundo está manipulando as pessoas. Se tu fores fazer uma leitura do movimento, a educação se tornou uma mercadoria. Hoje, você vê grandes grupos econômicos investindo no Brasil no mercado da educação, mas a sala de aula não é a preocupação. Isso acaba sendo até um subproduto, porque eles estão vendendo livros, aplicativos, ferramentas. O aprendizado do aluno acaba sendo um subproduto. Aí tem um elemento que eu acho muito complicado que é a tensão, principalmente das famílias, entre perspectiva e expectativa. Perspectiva é o que tu projeta no futuro que pode vir a acontecer, o que Paulo Freire chama de ‘ inédito viável’. As expectativas são as concretizações históricas e, quando se confunde perspectiva com expectativa, há uma frustração. Às vezes, se pensa que a escola tem de resolver todos os problemas. Não! Se o aluno adquire uma nota mediana quer dizer que ele não sabe? Não. Ele sabe e vai crescendo. É importante que a família tenha presente que o processo de aprendizagem é gradual e cada um tem o seu tempo, o seu contexto e as suas virtudes. E a educação tem de contemplar isso. A nova BNCC, com todo o debate que há em torno da politização da educação, traz uma preocupação em formar habilidades, de desenvolver conhecimentos e competências. Então, há um movimento da formação integral e isso é importante. Mas, por outro lado, há uma tendência de criar aqueles que são os melhores. Nunca serão os melhores.

RCV – Qual a sua visão de um aluno bem sucedido?

VZ – Um aluno bem sucedido, para mim, é aquele que consegue desenvolver o máximo das suas competências e habilidades. É aquele que aprende a conhecer a si, o seu entorno, e que possa ter uma incidência positiva em tudo que ele fizer e onde ele estiver. O aluno bem sucedido não é aquele que tem os resultados acima dos outros, mas aquele que, cada vez mais, se conhece e está realizado e satisfeito com o que é e busca ser mais.

RCV – Na sua experiência como educador, quem dá mais trabalho: os alunos ou os pais dos alunos?

RCV – O que me preocupa é que, muitas vezes, você encontra alunos imaturos e pais imaturos. O que é um aluno imaturo? É aquele que vem com um nível de preocupação de adultos. E um pai imaturo é aquele que vem com um nível de preocupação de criança ou de adolescente. Um aluno maduro vai te gerar preocupações da própria dinâmica da idade, o que é natural e nos deixa tranquilos. Agora, um pai imaturo que não consegue ser o adulto da relação é muito complicado porque você acaba tendo uma inversão de papeis. Nesse sentido, o que nós teríamos de ter: pessoas maduras e equilibradas, com cada uma respondendo e reagindo conforme a fase da sua vida. Hoje, vemos crianças com uma sobrecarga muito grande de adultos. É preocupante ver crianças com uma agenda como se fossem o presidente de uma empresa multinacional, com um nível de ansiedade, de doenças próprio de um adulto, como também pais que querem que o filho viva seu sonho. O pai tem de possibilitar que o filho descubra e construa o sonho dele. Toda vez que uma família projeta um sonho de futuro para o filho, a possibilidade de frustração, principalmente do jovem, é grande.

RCV – Esta poderia ser uma das explicações para o alto índice de suicídios entre jovens em Teresina?

VZ – A gente põe cargas muito grandes sobre os jovens e promete, às vezes, soluções simples para a realização deles. Tem um filósofo que eu gosto muito, o Edgar Foster, que diz que o jovem tem de estar muito atento ao que venera. Se tu veneras o sucesso, sempre vai te sentir fracassado; se tu veneras o dinheiro, sempre vai te sentir pobre; se tu veneras a beleza, sempre vai te sentir feio. Se tu coloca que, ao atingir uma meta, serás feliz, não vai conseguir. Daí vem a decepção, a frustração. Isso é negar a vida, porque se tu estás vivendo o sonho de outro, vai chegar o momento em que tu vais ter de sair. E há um elemento também preocupante da nova mentalidade dessa sociedade líquida: é que o pessoal aprende a deletar e excluir tudo com muita facilidade. E quando se trata da tua existência, vai chegar um momento em que você diz: eu não quero, porque a carga é muito grande.

RCV – O ensino religioso ajuda a preencher essa lacuna existencial?

VZ – O ensino religioso te dá uma abordagem diferenciada para tentar ler a tua situação com o olhar de Deus. Nós, jesuítas, na nossa espiritualidade, propomos que o aluno transcenda a sua imediaticidade e se remeta para Deus, para que ele se veja com os olhos de Deus. O ensino religioso te conecta com algo maior no qual tu te vês participante de algo e o que tu fazes já encerra a totalidade. Tu não és abarcado pelo maior, tu estás contido no menor e o ensino religioso vai dizer que isso é divino. Ele vai resgatando a dignidade e oferece uma ferramenta psíquica-espiritual que ajuda as pessoas a perceberem qual o sentido no mundo em que vivem e a fazerem a diferença no que fazem.

RCV – Como inserir temas como inteligência emocional, sociabilidade e compaixão em uma agenda extremamente sobrecarregada de disciplinas técnicas, com excesso de provas e tarefas?

VZ – Uma instituição educacional precisa trabalhar muito a interdisciplinaridade, respeitar o tempo da criança e do jovem e perceber que o foco principal é o sujeito que está aprendendo. E deixar que a criança aprenda no tempo e na forma dela. Nesse sentido, as salas de aula passam a ser secundárias. A escola, a cidade, tudo se torna um lugar privilegiado de aprendizagem. Os professores devem ser, mais do que transmissores de conhecimento, facilitadores e interlocutores com os jovens. Eles precisam de pessoas que ajudem a dizer onde o conhecimento é sólido ou não. Diante das fake news, desde uma criança até um adulto vão ter de aprender que nem tudo que é apresentado a eles é verdadeiro. Eu preciso ir adquirindo habilidades para ler o real e construir a minha realidade. Você tem de ter essas três referências: a escola, a família e a sociedade, porque o processo da formação integral se dá nesses três níveis.

RCV – Existe essa preocupação, nas escolas, de aproximar o jovem do meio social no qual ele está inserido?

VZ- Existe. Pelo menos, é uma grande preocupação de muitas escolas, nas quais há projetos e ações sociais. Cada vez mais, a escola percebe que não é uma ilha que está hermeticamente isolada. Ela tem de estar presente porque a preocupação de toda escola é como seus alunos poderão contribuir na transformação social. E isso é um problema preocupante. Hoje, nós temos tantas unidades escolares, do ensino infantil até o universitário, e a pergunta é: o que isso está trazendo de resultado para a sociedade? Há uma certa contradição entre o mundo que nós queremos e o mundo que nós vivemos e construímos. E a escola tem de ajudar a formar homens e mulheres éticos, comprometidos com a sociedade, com a dimensão democrática. No momento, se discute muito essa questão de escola sem partido. A escola é um local privilegiado para ler a sociedade, refletir sobre ela e construir projetos com seus sujeitos de transformação.

RCV – A escola já aprendeu a incluir os diferentes e tratá-los de igual para igual com os demais alunos?

VZ – Tem escolas que evitam porque é difícil. Nós, por exemplo, temos aqui um trabalho muito importante e muito comprometido com essa causa de inclusão. A educação inclusiva é um trabalho desafiador, mas também importante. E eu creio que, por lei, deveria acontecer, mas, na prática, deixa a muito a desejar. Escolas que visam só ao resultado quantitativo, cada vez mais evitam isso. A educação inclusiva se torna um imperativo para que nós possamos possibilitar a esses jovens que eles aprendam a viver com tolerância, com a diversidade, o diferente.

RCV – De que forma os professores devem lidar com o bullying dentro da sala de aula?

VZ – Com tolerância zero. O bullying não é saudável, é uma situação de tolerância zero, não se admite.

RCV – O que o senhor quer dizer com tolerância zero?

VZ – Tolerância zero não é punição, mas, uma vez diagnosticado, se conversa com as pessoas, se socializa e não se faz meio corpo. Não precisa expulsar. Aconteceu, você aborda a questão, reflete sobre ela e busca solucionar, conversando com as partes implicadas, porque o bullying está envolvendo pessoas que sofreram e que fazem sofrer. Uma situação de bullying é uma situação de sofrimento, que pode ser físico ou psíquico. É algo ruim e você está lidando com pessoas que precisam de cuidado e de proteção.

RCV – A criatividade vem sendo estimulada em sala de aula na mesma proporção em que é repassado o conteúdo teórico das disciplinas?

VZ – Hoje se fala muito em inovação e, de certa forma, uma educação que prima pela inovação vai fortalecer a criatividade. O processo educativo atual trabalha muito na resolução de problemas, bem como no estímulo do trabalho em equipe e na elaboração de projetos. À medida que o aluno vai resolvendo problemas, ele vai se apropriando de conhecimentos construídos e a transmissão automática de conhecimentos deixa de ser o básico na escola. Você tem de confrontar os conhecimentos adquiridos e construídos e, por outro lado, ir criando mecanismos de solução de problemas que vão aparecendo, dos mais simples aos mais complexos.

Entrevista feita por Cláudia Brandão